Kim Jong-Un, o ditador tresloucado da Coreia do Norte, foi vítima da gordofobia de Donald Trump. Por isso, é preciso todo mundo dos Estados Unidos ficar bem gordo como forma de resistência ao ódio, do Trump, não do ditador. O que você faria se alguém te dissesse isso? E o que você faria se fosse chefe de departamento de uma universidade e alguém dissesse que isso é um paper a ser apresentado numa conferência internacional? Ele foi aceito. Nenhum dos PhDs percebeu que era piada.
O YouTubber conservador Steven Crowder se vestiu de mulher, usou todos os clichês do identitarismo e conseguiu virar conferencista internacional do departamento de “Fat Studies” da Massey University, na Nova Zelândia. “Aceitar a obesidade como autocuidado na era Trump” era o título do trabalho. Alegava que o New York Times é gordofóbico por sugerir que exercícios físicos são autocuidado. Como alguém aprova isso? Porque estavam ali as palavras da seita. Confira.
Olá, eu sou a Sea Matheson. Eu sou uma ativista de Austin, Texas, trabalhando especificamente com a comunidade não-binária e gorda para ajudar a aumentar a presença de pessoas interseccionais e não-binárias nos eventos em Austin, como Marcha das Mulheres, Marcha por Nossas Vidas, e mais recentemente, as greves climáticas globais. Meus pronomes preferidos são ela e dela. E fico emocionada por apresentar e ter meu artigo, ‘Aceitar a obesidade como autocuidado na era de Donald Trump’, aceito aqui na Conferência de Fat Studies da Nova Zelândia.
O espaço é um elemento importante do autocuidado. E uma ferramenta para criar tanto espaço ideológico quanto físico é a gordura. Quando eu era mais jovem, em várias ocasiões, fui tocada ou acariciada sexualmente e, em algumas dessas ocasiões, foi feito sem minha permissão. Então, na faculdade e pós-graduação, no entanto – e neste ponto, para ser clara, eu ainda não me identificava como gorda – um dia, porém, tudo isso mudou. Eu estava abastecendo meu veículo em um posto de gasolina próximo e, enquanto pegava meu recibo, um homem estendeu a mão e tentou me tocar sexualmente. E percebi que não estava preocupada.
Agora, por que eu não estava preocupada? Porque entendi que naquele momento, por causa do que, neste momento, eu estava me referindo como meus quilos de caloura – minha gordura recém-descoberta – esse estranho, independentemente de sua determinação, teria muito mais dificuldade em agarrar minha genitália sem meu consentimento. E foi aí que comecei a explorar a ideia de que a gordura pode ser autocuidado.
Daquele ponto em diante, eu escolhi ativamente – eu me identifiquei como gorda.
O vídeo é simplesmente sensacional. Infelizmente, está em inglês. Conto com a sorte para que apareça algum cristão disposto a traduzir. É importante para compreender como essas ideias mentirosas e infecciosas acabam tomando a sociedade e se transformando em regras e verdades absolutas. Não é a primeira onda de autoritarismo que parte de universidades, não será a última.
A universidade é o símbolo universal de ensino, pesquisa e produção de conhecimento. Você pode tentar aprisionar o conhecimento nos domínios dos axiomas de uma religião, como foi na Idade Média. Pode tentar submeter o conhecimento à lógica de uma doutrina política, como fez Mao Tse Tung. No momento, o conhecimento é submetido ao bebê de Rosemary do pós-modernismo, as Teorias Queer.
No caso do estudo falso sobre engordar como forma de autocuidado devido à gordofobia de Trump, o mais grave é a tal da “peer review”, revisão pelos pares. É uma comédia do início ao fim, sem fonte nenhuma, sem teste da hipótese, sem avaliação objetiva. Só achismo e moralismo de quinta categoria. Mesmo assim, PhDs elogiam o trabalho. O autor, com nome falso, foi até chamado para fazer peer review de outros “estudos”.
O problema gerado na universidade se agrava quando sai dela. Profissionais primeiro da comunicação espalham essas ideias como se realmente fossem explicações científicas de fenômenos do universo e das relações humanas. Depois os alunos que aprenderam isso começam a se tornar médicos, juízes, advogados, políticos. Se a compreensão do mundo independe do mundo em si e de um método pactuado entre todos, a civilização é inviável.
Eu sei que é piada o que o YouTubber falou, mas vou explicar como funciona na prática. Ao dizer que uma rotina de exercícios é gordofobia, ele não cita a fonte nem o experimento que foi feito. Comenta que fez uma etnografia mas o trabalho relata somente a experiência pessoal dele. Há uma ampla literatura, com toneladas de estudos, comprovando que a rotina de exercícios prolonga a vida e melhora a qualidade de vida. Ninguém sentiu falta desse conhecimento na universidade?
Não. Professores renomados elogiaram a apresentação. Ela tem todos os ingredientes que o identitarismo utiliza para validar algo. Primeiro tem de rezar a cartilha da identidade de gênero e se colocar como vítima e também ativista. A pessoa vale o tanto que sofre, não o tanto que faz. Então pouco importa o trabalho, estamos falando de uma pessoa trans não binária gorda que sofreu abuso sexual. Só pode estar perfeito.
Imagine décadas de trabalhos acadêmicos semelhantes a esses sendo validados por instituições de prestígio ao redor do mundo. Chegamos ao absurdo de políticas públicas que mutilaram milhares de adolescentes sem nenhuma comprovação científica. Diversos países estão revendo as cirurgias de redesignação sexual antes da puberdade, que viraram um mercado altamente lucrativo.
O mercado para gordos segue a mesma lógica. Ele é um segmento que só cresce em todas as projeções econômicas. A vida das pessoas é mais abundante ou tem mais qualidade quando elas engordam? Não, em última análise elas vão até morrer se não se cuidarem. Mas vida a de quem ganha dinheiro nas costas delas melhora sim. E essa roda começa a girar assim que uma universidade chancela absurdos.
Depois você começará a ver no jornalismo e na publicidade a manifestação desses absurdos que favorecem as marcas que sustentam esses dois mercados. Não sei se é um processo consciente ou não. Vejo também um desejo incontrolável de sinalizar virtude e parecer inteligente. São pessoas com a profundidade intelectual de um pires, incapazes de distinguir um estudo científico de uma teoria crítica.
A maioria dos jornalistas e publicitários vai jurar para você que só existe racismo estrutural, que vivemos o patriarcado da cultura do estupro, que ter babá é racismo, que microagressões inviabilizam emocionalmente as pessoas, que o gênero é uma construção social e outras crendices bizarras. Peça as fontes. Eu acho divertidíssimo.
Vão acumular uma pilha do que eles chamam de “estudos”. O melhor é quando falam “vai estudar, tem vários estudos sobre isso”. Daí falam em Marcuse, Deleuze, Judith Butler, Foucault, Guacira Lopes Louro, Roberto Romero. O bizarro é que esse pessoal realmente pensa que a produção acadêmica desses nomes é uma forma de compreender fenômenos do mundo, do ser humano e da sociedade. Não é. São hipóteses filosóficas sobre os fenômenos, não servem para aplicação prática.
O perigo é que essas pessoas com nível intelectual do Dollynho posam de grandes entendidas porque inventaram novas palavras difíceis. Patriarcado, estrutural, desconstrução, potente, lugar de fala, cada dia tem uma. Empresas e autoridades públicas começam a realmente ouvir esses delírios para pautar suas decisões.
Qualquer um que contrarie o delírio do grupo de papagaios do identitarismo será massacrado. A pessoa será imediatamente taxada de racista, misógina, homofóbica, transfóbica e gordofóbica. Quem defender também será atacado pelo grupo. Com medo, as pessoas calam. Ou pior, falam em privado que está errado mas calam em público. Com o poder das redes sociais, o grupo diminuto, autoritário, violento e delirante ganha cada vez mais poder.
Muita gente já tentou devolver na mesma moeda, dar a esse grupo o que ele merece. Funcionou? Não. Quem se alimenta de autoritarismo e violência só cresce quando vive cercado disso. Passou da hora de aprender a conter esse tipo de arroubo. Não podemos calar, mas também não podemos nos igualar. 7
Essas pessoas têm todo o direito de acreditar em qualquer delírio que desejem, são livres. São livres também as pessoas que acreditam em duendes, terra plana, chip na vacina e veganismo para felinos. Só não podem, num mundo civilizado, querer impor aos outros as próprias crenças ou definir essas crenças como conhecimento. Não são e é preciso que fique muito claro.